terça-feira, julho 17, 2007

se algum dia me jogarem isto à cara, obviamente vou desmentir

depois da carta contra a guerra no iraque pensava nunca mais ter que utilizar as palavras concordo e saramago na mesma frase, mas a verdade é que
concordo com quase tudo o que o saramago diz na entrevista.

12 Comments:

nuno said...

bota quase nisso.

João Gaspar said...

apesar de extremamente senil, desta vez não discorreu muitas barbaridades. a entrevista é maior do que a descontextualizada frase-bomba do sermos província de espanha.

mas sim, quase.

Ledbetter said...

Depreendo que concordas com a presságio polémico da imersão na Ibéria porque não encontrei na entrevista (disponibilizada na edição do DN online) mais nenhuma tomada de posição que nos possa levar a concordar ou a discordar. A famosa novela medíocre do Sousa Lara não deixa espaço grande espaço para concordâncias ou discordâncias e ele nem sequer falou da Palestina, Israel ou do EUA como entidade imperialista. Resta-nos assim o provocador tema da Ibéria. É isso? Se foi explica-me então se desejas a inclusão de Portugal como uma província da Ibéria (unificação nunca seria em todo o caso, pois deixaria obrigatoriamente de existir o país Portugal) ou se, por outro lado, não desejas mas achas que vai acabar por acontecer?

Eu não desejo isso de maneira nenhuma, sou sincero. Porque sou Republicano. Num último desabafo de patriotismo ou nacionalismo, ou seja lá o que isso signifique. Mas também porque vejo Portugal com muito menos semelhanças com Castela do que esta última tem com a Catalunha , País Basco , Andaluzia ou mesmo a familiar Galiza. A geografia agrega-nos mas a história separou-nos há muito e, por isso, apesar da incorporação económica se aprofundar, persistem profundas diferenças culturais. Portugal em muitos sentidos é muito mais tributário da cultura francesa do que da castelhana e não creio que os portugueses acalentem por Madrid mais afecto do que os catalães ou os bascos, que sempre lutaram pela independência. Percebo que o Saramago viva bem em Espanha (e recentemente até bem casado) e seja de um partido que não se interessa pelos séculos de história de bordoada entre portugueses e espanhóis. Percebo a facilidade e ligeireza com que se pode vir para os jornais alimentar polémicas dessas. Acho até que ele devia pedir nacionalidade espanhola se assim o desejar. Who cares? Sempre vi os defensores do Iberismo como provocadores diletantes à procura de protagonismo e inconsequentes, não me parece que o queiram intimamente. Ou então é mesmo falta de amor-próprio, não sei. Vejo o nosso País com imensas falhas, pobreza, atropelos à justiça e também é verdade que Espanha nos supera em larga escala. Mas fácil é abandonar uma ideia nacional que se perderia depois de séculos e séculos de história, sangue e esperanças defraudadas. È tão mais integro e corajoso encontrar formas de elevar um país cheio de potencialidades. Nascemos aqui, acolhemos uma memória e recebemos uma língua livre. Porquê voltar atrás no tempo? Seria profundamente incapaz de aceitar essa ideia, sem quaisquer ultra-nacionalismos bacocos e a palavras armadilhadas. Acho mesmo um absurdo acalentar essa concepção nos tempos que correm e depois de vermos acontecer em Espanha o que sempre se adivinhou. Enfim..é isso!


Abraço.

João Gaspar said...

(inspirar fundo).

Concordo com quase tudo o que disseste. Não tenho uma posição demasiadamente marcada neste aspecto (o da imersão ibérica). Também não percebi se a do Saramago era apenas de profecia ou de desejo. Acho que ele foi dúbio propositadamente. Mas, e ao contrário do Saramago, acho que isso não vai acontecer (nem imersão e muito menos total integração, claro). E não é de todo o meu desejo. Mas se porventura ocorresse, não me iria incomodar mais do que perder um jogo para a Espanha no próximo europeu. Mas aqui sei que sou eu que sou um anti-patriota de merda (assumo) que não sente nada o que é um país, mas sim pessoas: as suas afinidades, interesses comuns, língua (aspecto fundamental) etc... Mas administrativamente e em termos de fronteiras, estou-me nas tintas. Não literalmente, claro. Tentarei escolher sempre a melhor opção. Mas não são sentimentos de amor à pátria que me movem.

No entanto (e aqui vou deixar obviamente de falar do teu caso) confesso que me chateia um pouco uma série de reacções pavlovianas anti-saramago, dos patriotas, daqueles cujo apego à pátria é ferido por um traidor que nasceu cá e agora nos renega. E estes patriotas normalmente são os mesmos que defenderam guerras coloniais. Nacionalidade e identidades nacionais? Sim, mas só a nossa. E de preferência imposta aos outros. Enfim, divago.

(continua)

João Gaspar said...

Quanto às razões históricas que agora estaríamos a renegar, são as mesmas que o Afonso Henriques renegou, por exemplo. A história dos povos sempre evoluiu por imposições Vs concessões de terras, de línguas e de culturas. Nos últimos séculos as concessões deixaram de ser apenas perante a força física e aliaram o poder militar ao económico. Mas as regras são as mesmas.

E no plano económico somos goleados. E o jogo já vai a meio. As empresas que o viram, escolheram a imersão. As outras que cá ficaram, "escolheram" a invasão. Neste campo não me parece que tenhamos hipóteses.

Quanto às diferenças e semelhanças culturais, claro que temos pouco a ver com Madrid (tanto ou menos do que os Bascos ou os Catalães), mas por exemplo o Minho tem mais a ver com a Galiza do que com o Algarve. E A Andaluzia/Extremadura estão aqui ao pé do Alentejo (infelizmente, na pobreza também) e longe longe do Norte de Espanha.


As afinidades históricas e culturais com os franceses ainda bem que existem. Nos séculos em que houve mais regularmente essas trocas culturais (XVIII, XIX, certo? - sou péssimo a história, como já deveis ter percebido), Espanha sempre foi um país mais militar do que culto. E nós estávamos aqui ao lado mas de costas voltadas. E depois com o Salazar longe de todos. Mas ainda bem que foram com França que se estabeleceram essas afinidades. Eram os líderes culturais na Europa.

Mas actualmente, que afinidades temos nós com França. A maior parte de nós já nem a língua sabe. A cultura e o desenvolvimento económico-social de Espanha passou a ser o novo paradigma. E temos muito mais a ver (e a ganhar, parece-me) com o lado de cá dos Pirinéus.


E divagando ainda mais, em termos políticos teríamos muito mais força de decisão na Europa se funcionássemos como um bloco ibérico. Ok, era capaz de não ser boa idéia quando outro Barroso e AZnar coincidissem outra vez. Mas teríamos uma palavra muito mais forte a dizer, em vez de pensarmos que a Europa nos liga peva. Somos a África da Europa. O Novo Mundo da Europa virou a Leste. É ali que se vai crescer.

(continua mais)

João Gaspar said...

Acabo,

Dizendo que acho que nada disto se vai passar. Pelo menos nas gerações próximas. O que nos falta em ambição e visão estratégica, sobra-nos em orgulho. O que nalguns casos não e mau, se for sincero, sentido, com o profundo sentimento de que é melhor e mais desafiante não nos desresponsabilizarmos e querermos construir um futuro melhor aqui e agora e fazer o esforço na pressecução desse objectivo. O problema é que muitas vezes esse orgulho é pífio (estava doidinho para usar esta palavra), incoerente, e é outra forma de nos desresponsabilizarmos e deixar tudo como está, sob a capa de um patriotismo defensor do elevadíssimo valor nacional. O que - e não o digo por simpatia - não é o teu caso.


Abraço.

Calei-me.

Ledbetter said...

Como gostei do que escreveste senti-me impulsivamente obrigado a responder em concordância.

“Eu sou eu e as minhas circunstâncias!”. Ortega Y Gasset (filósofo espanhol). Não podia ajudar-me mais para o que aí vem de cisma patriótico:

Portugal é um dos estados mais antigos da Europa, cujas fronteiras se mantém imutáveis desde o século XIII (fui ver a um livro de história) e permite-me discordar: a história geográfica tem um peso cultural e identificativo essencial. A história que nos diferenciou principiou a escavar fossos culturais entre os dois países após a revolução de 1640 que pôs termo à efémera união dinástica . A partir de então, o castelhano que, era de uso banal, inclusive na literatura, entre os portugueses instruídos, deixou a convenção para passar a um luxo burguês que se foi desintegrando com o passar do tempo. Portugal voltou-se então para a França e durante três séculos o iluminismo de Voltaire passou a ser a referência cultural para Eças, Anteros ou Ortigões (o plural estraga tudo). Mas é óbvio que a influência da França como fonte de inspiração, no desenvolvimento do Portugal urbano, não foi substituída, ao desaparecer, por referências espanholas. Para a grande massa adolescente até à meia-idade, as grandes referencias são hoje como é óbvio anglo-saxónicas nos mais diferenciados aspectos da vida quotidiana e na adopção de valores culturais. Para o bem e para o mal, como sempre foram todas as referências culturais.

Mas depois existem ainda muitas diferenças quase indecifráveis pelos parâmetros tradicionalistas habituais. São diferenças de fundo que não deixam de ser difíceis de explicar. O modo de encarar a vida, o comportamento no quotidiano, ou melhor, o ambiente humano, o espectáculo rotineiro de vida oferecido por ambos os povos. Longe de serem assim tão parecidos, portugueses e espanhóis (mesmo os Galegos) distanciaram-se progressivamente, exibindo atitudes quase antagónicas perante a vida. Eles trabalham a horas diferentes, transformam o culto do aperitivo num instrumento de convívio, comem a horas diferentes. Eles cultivam a diferença de províncias com naturalidade, nós tendemos à união de costumes que depreciamos mas adoramos. Eles sabem apenas falar línguas autóctones, nós sabemos pelos menos mais uma ou duas. O estrondo é ali componente da vida, do conceito dos lazeres. Nós somos melancólicos, lúgubres , apreensivos, sarcásticos. Séculos e séculos de separação demarcaram bem a nossa atitude perante a vida. Não critico nenhuma delas, registo o inocultável. Não nos acho irremediavelmente incompatíveis, mas acho inútil estabelecer pontes de contacto políticas e administrativas entre povos suficientemente afastados pela história com base unicamente em argumentos económicos ainda um pouco dúbios. Não vejo mesmo com bons olhos a polémica contradição de sermos nós a gerir o país e ao mesmo tempo subservientes ao poder central ibérico.

O nosso país incorporado numa tal fantástica e gigantesca Ibéria seria mais desenvolvido, mais fértil, mais rico? Talvez possas ter razão. Qualquer escrutínio popular - de rua, em site de jornal ou a dois taxistas queixosos - diria que sim. Admito mesmo que qualquer inquérito bem estruturado o concluiria, como o semanário Sol o provou há uns meses. Mas eu ainda não acredito que precisemos da integração política na Espanha para nos desenvolvermos mais depressa, aliás ela até poderia levar a que se mantivesse o nosso relativo atraso. O claro desenvolvimento espanhol corresponde a uma situação que não acredito ser reproduzível no contexto português, com ou sem incorporação. O tamanho de um país nunca foi sinónimo convincente de desenvolvimento. Mas aí está a província da Galiza a mostrá-lo. Não tenho muitas certezas mas penso que também nós, uma vez integrados, tenderíamos a perder (sucedeu aos galegos) os meios para gerirmos os nossos recursos naturais e humanos incluídos. Castela não brinca em serviço. Nunca brincou. Além disso, a tese iberista contradiz a recente deriva precisamente desagregacionista na Europa: os casos da Jugoslávia, da Checoslováquia, os impulsos activos na Itália e agora mesmo na própria Espanha com os casos do País Basco e Catalunha. Nos argumentos iberistas são ainda mínimas as referências à manifesta impotência centenária demonstrada pelo poder central espanhol para travar o terrorismo basco e mesmo a alguma incapacidade para conviver democraticamente com as nações hegemonizadas por Castela .

A Espanha é quase todo ele um país verdadeiramente magnífico, dinâmico, rico e festivo em dose invejável. Entra-nos pelos olhos dentro. Mas isso não é razão para nos confundirmos nele. A única boa razão para fazê-lo será a definitiva desconfiança em nós, o termos decidido que o que temos já não nos interessa.

Além disso, nós já vivemos numa união com Espanha: chama-se União Europeia. Até agora não nos temos dado nada mal em termos de pacotes de fundos europeus vindos para o nosso país ( a outra questão é como temos vindo a aproveitá-los). Quanto a esse teórico ganho de força decisória na Europa acho que é uma tese que ainda não está suficientemente provada dependendo entre outras coisas de como por exemplo o jogo de números vier a influenciar o próximo tratado europeu.

Grande Abraço

João Gaspar said...

Clap, clap, clap.

Não sou iberista convicto. Mas só não percebo o clamor anti-iberismo que rapidamente surge perante essa possibilidade. Uma negação imediata sem se discutirem as vantagens e desvantagens da "coisa". E esse negacionismo cego acentua-se se o profeta é o Saramago (o que é cíclico, e eu digo já aqui que nem gosto dele, mas consigo perceber a idéia, discuti-la e ver os pontos negativos).

Tendo as contas o eu e as circunstâncias, lá está: tempos houve em que as circunstâncias nos aproximaram de França, mas agora a identificação é, a todos os níveis, maior com Espanha. Claro que a influência anglo-saxónica está anos-luz à frente de qualquer uma, não é ponto possível de discussão.

E é claro que somos diferentes - muito diferentes - dos espanhóis. Para melhor, até acho. Nem era preciso mais do que a forte costela chauvinista que eles ganharam para me distanciar irremdiavelmente em termos pessoais. Mas, não estamos muito mais afastados do que os Catalães. E temos nove séculos de cultura (pronto, de cultura teremos só quatro ou cinco) que não se iriam de todo esbater facilmente com a iberização.

Quanto à UE, não me parece que tenhamos qualquer vantagem por sermos ibéricos. O ser ibérico não se reflecte numa atitude iberista, e não penso que tiremos grande partido actualmente disso. Não funcionamos como bloco, pelo contrário. A Espanha já é dos ricos e nós dos pobres da Europa.


O desagregacionismo nas Rússias e Jugoslávia envolveu muitas etnias e diferenças políticas e religiosas, que não estão em causa aqui na Península. A não ser o facto da Monarquia, mas parece-me evidente que o Rei de Espanha não poderia nunca ser o Rei da Ibéria e o problema estava resolvido. Perderia direitos e influência. O que até era salutar.

E não obstante o aparecimento de novos países, as afinidades culturais devem ser destacadas e impulsionadas. E cada vez mais a Europa vai funcionando por regiões. Por exemplo, acho que o País de Gales só tem a ganhar por se enquadrar no Reino Unido. E também pensas de um modo geral todos os países da Escandinávia. E isso dá-lhes força e poder organizativo.



Um abraço,

PS: Estou retido em Beja à espera de uma peça para o carro que só chega amanhã. E acabo de perder um concerto de Arctic Monkeys pela segunda vez. Mas agora me lembro da tua saga Mudhoney por isso não me vou queixar mais. Mas estou fodido.

Jp said...

1o ponto - grandes (e não só em tamanho) textos, custaram mas valem a pena o tempo que levam a ser lidos...
2o - A minha opinião neste caso (pelos vistos mais polémico do que eu esperava, já não contava que alguém desse ouvidos ao gajo) é algo indefinida e dificil de precisar dada a dualidade de sentimentos que eu, enquanto cidadão de nacionalidade portuguesa, experimento àcerca deste tema. Mas acho que o ponto principal deste dilema, caso fosse algo realizável é:
E Espanha, será que nos quer??
Alguém lhes perguntou?
Mais uma província com sentimentos independentistas?? Só lhes faltava isso, uma ETA nascida no Fogueteiro ou na Baixa da Banheira...

Parabéns aos 2, mais uma vez, grandes textos!

Anónimo said...

Espanha e Saramago casam muito bem...

João Gaspar said...

Estão bem um para o outro, lá isso estão... ;)

João Gaspar said...

Hey, hey JP.

Só agora vi que tavas aí, desculpa.

Eh pá ninguém pede opinião nenhuma aos Espanhóis. Mas afinal quem é que manda aqui. Aturam-nos e pronto!


E estás a ser preconceituoso quanto às boas gentes do Fogueteiro. Sem ir mais longe, são vizinhos da Coina. Mais respeito, pá! ;)