quarta-feira, dezembro 03, 2008

obra post-uma

mais uma vez deparava-me com uma situação em que a minha vida se encontrava desprovida de sentido. segundo a minha experiência, uma vida desprovida de sentido, não sendo condição sine qua non para a efectivação do acto suicidário, exponencia o grau de ideação suicida, elevando-o a índices não desprezíveis. pelo menos da primeira vez que me suicidei a minha vida também se encontrava desprovida de sentido. da terceira vez que me suicidei, curiosamente, também. já da segunda vez que cometi suicídio o móbil foi uma dívida contraída no jogo ilegal. não obstante, 66,66667% das vezes em que autoinfligi a cessação da vida, esta - a vida - encontrava-se desprovida de sentido. eu, perspicaz como poucos apesar de toldado pela emoção do momento (não substimemos; o suicídio, embora no meu caso se venha a transformar em corriqueiro, não é empresa que se encare de ânimo leve. parecendo que não, pode aleijar.), logo me dispus a encontrar uma relação fortíssima entre a falta de sentido da vida e a vontade de lhe pôr termo recorrendo a método autoinduzido. e, mais uma vez, foi isso que aconteceu. suicidei-me pela quarta vez num quarto de hotel, não sem antes pagar a pernoita de modo a diminuir o sentimento de culpa pela responsabilidade da limpeza extra a que a secção de higiene se veria obrigada na manhã seguinte. pergunto-me quando parará este hábito - creio que não lhe poderemos ainda chamar de vício, mas lá chegaremos - de me suicidar por tudo e por nada. o facto de não vermos o sentido da vida não significa que o sentido não ande por lá perdido; poderá ser apenas sintoma de um elevado grau de miopia, facilmente corrigível por meio de lentes progressivas. e é essa a razão do meu medo. não temo o dia do julgamento em que, sem qualquer hesitação, me declararei culpado, mas no dia em que o sentido da vida me aparecer diante dos olhos (ou na segunda gaveta da mesa de cabeceira a contar de cima, onde costumam aparecer as coisas que julgava perdidas), peço desculpa se deixo alguém à espera para jantar mas não quero cá estar. é que uma vida sem sentido é uma coisa demasiado bonita para se deixar estragar.