Mas ninguém quer saber porque a sociedade pensa que a SIDA é uma doença de putas, drogados e paneleiros. E quem sou eu para mandar palpites sobre o que eu acho que a sociedade pensa? João, muito prazer.
A SIDA é fodida, já disse. Já a luta contra a SIDA, nem por isso. É, sejamos simpáticos, fraquinha. Frouxa, torpe e, na maioria das vezes, pueril e ineficaz. A luta contra a SIDA em Portugal tem sido - e digo-o muita a sério - uma brincadeira.
A maioria das campanhas do suposto combate à SIDA pode ser englobada em dois tipos: aquelas que têm baixíssimos níveis de visibilidade e aquelas cujo nível de eficácia na transmissão da mensagem vai pouco além do risível. E ora vão alternando, ora acumulam ambas as qualidades.
Sei que já lá vão uns anos, e que os tempos eram outros, e que não se podia dizer tudo o que se queria nem como se queria. Mas uma das primeiras campanhas de que me lembro, da Abraço creio, constava de um desenho colorido com um jovem (ou seria um casal?) “a voar” em cima de um preservativo, com um fundo azul, a Lua e estrelas amarelas. Ora, o impacto teria sido muito maior se os utilizadores de preservativo tivessem idades compreendidas entre os 3 e os 11 anos. Entretanto mudámos de século mas as imagens continuam com um grau de impacto comparável, como podemos verificar no histórico de campanhas da Abraço.
Aos olhos da sociedade (que desde o início do texto continua a pensar que a SIDA é uma doença de putas, drogados e paneleiros), a Abraço tornou-se mais um símbolo do que uma prática constante e eficaz de prevenção. A Comissão Nacional de Luta Contra a SIDA em 2004 traçou um plano nacional, em que a teoria prevalece de sobremaneira sobre a prática. Nesse plano, traça metas para 2006 (ainda temos tempo, portanto) no âmbito da prevenção e acesso a tratamento de infecções com VIH/SIDA que, ou pecam por excesso de optimismo, ou são demasiado genéricos, ou alguém deixou o trabalho a meio.
Se nos campos da detecção e do acesso a tratamento se registaram resultados motivadores, em termos de divulgação da mensagem (o alvo deste texto), parece-me que não estamos muito longe de quase na mesma. O actual instrumento governamental na área – a Coordenação Nacional para a infecção VIH/SIDA, é igualmente contido nessa área.
A mensagem a passar, convenhamos, não é muito difícil de compreender. Basicamente: a SIDA é má, o preservativo é bom. E se o conteúdo se revela bastante simples o problema está, claramente, na forma como é apresentado. A Abraço existe “porque a SIDA existe”. Usa preservativo, é a tónica dos slogans ao longo dos anos. Protege-te, faz o teste. E não se passa muito destas cândidas palavras.
O ritmo a que as diferentes campanhas vão pingando também não ajuda muito ao estabelecimento de uma convicção na mente da população-alvo. Ou é nos dias 1s de Dezembro, ou nos dias do peditório nacional da Abraço que se fazem mais notar. Uma campanha mais eficaz teria que passar forçosamente por uma massiva e explícita intervenção de vários agentes (governamentais, figuras públicas, pessoas infectadas), envolvendo todos os meios de comunicação e dar assim uma valente marretada nas ignorâncias, tabus, preconceitos e discriminações associadas.
O tom, esse, agressivo. Com conversa de meninos está provado que não vamos lá. É certo que o facto de haver mais infectados pode querer (e parece-me claro que quer) dizer que há muito mais gente a fazer o teste. Não obstante, revela uma certa parte de fracasso nas políticas e nas campanhas levadas a cabo. A recente notícia de que Portugal é um dos países em que o número de novos infectados por transmissão mais aumenta prova-o inequivocamente. O mais recente relatório do Centro de Vigilância para a infecção VIH/SIDA (se não for o mais recente, let me know) data de Junho de 2007 e os dados vão confirmando a tendência de evolução dos últimos anos.
E o aumento da transmissão é sintomático da contínua prática de comportamentos de risco. E porque é que isto acontece? Entre outras coisas porque as campanhas são o que são. Quase sempre, uma merda. Doce, é certo. Mas uma merda.
Como faria eu uma campanha? Começava pelos slogans. Seriam rudes, sem meios palavreados inúteis. Claros, mas duros e precisos. Rudes e vis. Ou algo do género:
Preservativos: são do caralho!
(e além de o serem - literalmente - isto era dito pelos Gato Fedorento e estava garantido o sucesso)
- Usa preservativo, caralho.
(Uma miúda com cara de má a apontar para o preservativo):
Fode mas não te fodas!
(Imagem do preservativo)
Manda-o foder!
(Ou mais light)
(Multidão a manifestar-se na Av. da Liberdade)
Preservativo sempre! SIDA nunca mais!
E uma campanha deste género chocava a sociedade? Não tenho dúvidas que sim. E dava bastante mais visibilidade à prevenção da infecção pelo VIH/SIDA? Pois dava. E descredibilizava a Luta Contra a SIDA em Portugal? Claro. Mas se há coisa de que a a Luta Contra a SIDA em Portugal precisa neste momento é de ser descredibilizada. É a primeira a ter que mudar se quer que as mentalidades da sociedade se transformem. Em termos individuais não duvido do esforço tremendamente louvável de inúmeros agentes, profissionais e não só, na Luta contra a SIDA, mas em termos colectivos, meus amigos, andamos a brincar às prevenções.
E assim estamos e assim nos vamos ficando. Porque a SIDA existe, é certo, mas como toda a gente sabe é uma doença de putas, drogados e paneleiros.